sábado, 31 de outubro de 2009

Óh chuva

Óh chuva que cais lá fora
Não partas
Não vás embora.
Solta-me a alma
Refresca-me a calma.
Prende-me em ti,
Amarra-me a mim
Que quero ser tua.
Cai depressa,
Move lentamente
O meu pensamento.
Uma e outra peça
Montam um arrependimento.
Óh chuva que cais!
Não queres, não vais.
Preferes sinais
Húmidos, macios,
Frios!
Parecem lágrimas
Que alguém chorou,
As tuas gotas.

Alguém amou!

Ninguém conseguiu
Resistir às lágrimas
Ao frio
Às gotas,
Que alguém viu
Cair do céu.
E quem sentiu
Entrou no sonho meu e teu.

Inúmeras lágrimas, inúmeros gritos, inúmeras vezes!

O medo que aquela criança sentia, cada vez que o soalho rangia e a porta se abria lentamente como que um silenciamento da inocência de um ser imaturamente puro, era aterrador!
“Olá” era a palavra pronunciada pelo malvado ser de voz abruptamente ríspida, cada vez que a porta abria, enquanto o silêncio da criança era a resposta à entrada desse estranho no seu “mundo”. Inúmeras lágrimas, inúmeros gritos, inúmeras vezes!
Quando tudo terminava, por mais um dia apenas: Os olhos puros encontravam-se encharcados de lágrimas… O corpo arrebatadoramente magoado… A mente incomparavelmente perecida!
Mais uma, de tantas crianças, obrigada a perder-se no medo, no desespero!
Ah que raiva dentro de mim! Que raiva dentro daquela criança…
Que gritos tão mudos ela lança a Deus! Que gritos tão perversos lança o homem repugnante aos Céus quando actua com o diabo no corpo!
“Matem-no!”- grita ela interiormente! “Matai-los”- gritamos, nós, população responsável para o termo de tudo!
Acabará, anjinho dos Céus, quando alguém ouvir os teus gritos, souber ler o teu olhar, souber compreender o teu pânico… Quando alguém souber defender-te!

Até casa

Pé ante pé caminhava, silenciosamente, deambulando pelo pavimento molhado numa noite sem lua onde a rua era iluminada pelos candeeiros que só se apagariam ao romper da manhã.
“Amo-te, Amo-te, Amo-te, Amo-te”- que repercussão na minha cabeça! Oiço a tua voz dizer essa tal palavra repetidamente vezes sem fim, como se não existisse mais nenhum som em volta de mim, apenas o som da tua voz “Amo-te, Amo-te, Amo-te…”. Agarro a cabeça por entre os meus braços, sinto vontade de gritar: “Pára!”. Mas a minha voz cala-se da mesma maneira que vou começando a sufocar! Não consigo respirar, começo a sentir o cheiro a ti -“Estarás perto?”- penso eu mas sem pronunciar qualquer palavra. Permaneço imóvel agindo como que um radar e a tua voz volta a minha cabeça! Que dor que sinto!
“Pára!”- ganhei coragem e gritei, caindo no chão com os braços a envolver toda a minha face enquanto imagens de ti corriam pelos meus olhos como fotografias que só eles haviam retratado anteriormente, como fotografias que os meus olhos haviam tirado em cada gesto que fazias ao falar, ao caminhar, ao demonstrares os teus sentimentos. Ali permaneci, encostada a uma parede qualquer de olhos fechados a tentar não te ver, de ouvidos cobertos para não ouvir a tua voz, mas o teu aroma permanecia.
Serenamente senti um toque quente de uma mão fria a percorrer o meu pescoço. Não levantei a cabeça, não abri os olhos, não destapei os ouvidos e deixei, quem quer fosse com que intenção fosse, continuar. O aroma que pairava no ar era o teu, e eu não queria abrir os olhos e ver que poderia ser apenas alguém com o mesmo perfume que tu. Cerrei-os então ainda com mais força.
Aquelas mãos gélidas iam aquecendo e eu começara a sentir o respirar daquele alguém tão perto de mim. Senti a sua respiração tão perto dos meus lábios até sentir um doce beijo na minha face, acompanhado por um abraço imensamente acolhedor.
Até que os seus lábios, desviaram-se da minha face e, tocaram nos meus alagando por completo os meus olhos, ainda fechados, num pranto completamente feliz.
Pensei seres tu quem me beijava dessa forma tão intensa e imaginei-me a jurar-te amor eterno. Juras tão banais por tão pouca gente saber cumpri-las. Mas eu cumpri-las-ia porque eu sinto o que muita gente não sabe sentir, amor!
Agarrando, com um pressentimento de que seria a última vez, a tua cara por entre as minhas mãos, procurei novamente aquele beijo tão puro. O teu corpo respondeu-me, naquele que parecia ser o último momento, que tu sentias por mim o que nunca ninguém tinha mostrado sentir. Agarrei-te num abraço tão apertado, sempre de olhos tão bem fechados!
O medo de te perder ao abrir os olhos era impensável. Até que…
“Socorro, socorro”- a voz de uma criança explodira, embebida em lágrimas, dentro dos meus ouvidos. A rua silenciosa encheu-se de movimento, o barulho tornou-se ensurdecedor.
A família da pequena chorava com ela e os vizinhos abriam as janelas e sussurravam. Ao longe ouvia-se a sirene duma ambulância que levaria um dos familiares da criança, dos mais próximos pelo que se podia perceber através do choro, do medo, da tristeza, dos gritos… que aquela criança fazia ressoar e que a família ia tentando amenizar.
Por fim, ao ouvir-se a sirene da ambulância afastando-se, começou-se a ouvir o silêncio dos vizinhos, o fechar das janelas e dos estores, e o choro da família foi como que transportado até dentro de casa.
Sem um único ruído na rua novamente, senti a chuva cair de leve sobre mim, estava eu, ainda na mesma posição, estática encostada a uma parede de braços sobre a cabeça e de olhos quase enclausurados.
Tu havias desaparecido pelo meio da multidão, eu sentia isso!
Já não sentia o teu respirar perto de mim, ou o teu calor. Já só sentia gotas frias caídas do Céu, como que um chorar de Deus que acabava de abdicar de mais um pouco da sua felicidade, tal como fazia com todos os seus “Filhos”, para que eu tivesse força para abrir os olhos e seguir em frente.
Ele fez correr pela minha mente imagens da criança que tinha estado a chorar naquela mesma rua, e que eu egoistamente teimei em ignorar por um desejo meu.
Abençoada por aquela chuva tão especial, ergui-me com o intuito de sair dali e ir abraçar todos aqueles que considerava importantes, dando a acreditar a mim mesma que o sonho (este ou qualquer outro) não voltaria a impedir-me de viver ou ajudar a viver.
Ao sentir um ligeiro sopro de vento ouvi a tua voz entoar a palavra “Amo-te”, que foi dita com a vinda da brisa e terminou, o som harmonioso da palavra, com o fim do sopro.
Abri, assim, os olhos e deparei-me com uma força que nunca havia sentido antes! Segui, então, o meu caminho até casa.